05 outubro, 2006

VÍRUS DE PLANTA SE TRANSFORMA EM CIRCUITO ELETRÔNICO

O termo "vírus de computador" acaba de deixar de ser mera força de expressão. Pesquisadores nos Estados Unidos usaram o vírus do mosaico do tabaco, um parasita do mundo real que vive dando dores de cabeça aos agricultores, para criar um circuito de memória digital, com funcionamento exatamente igual a qualquer chip de computador existente por aí.

O trabalho, que será publicado na revista científica "Nature Nanotechnology", é uma demonstração dramática de como a biologia pode ser integrada à eletrônica, pelo menos em princípio. Segundo os criadores do protótipo, o vírus do mosaico do tabaco (ou TMV, para encurtar) no circuito não é capaz de se multiplicar, mas são suas propriedades químicas, conjugadas com uma capa de platina, que permitem ao sistema todo armazenar informação.

"A combinação de partículas virais e metálicas já havia sido demonstrada antes, mas esta é a primeira vez que alguém mostra que a mistura pode funcionar como um sistema de memória eletrônica", declarou ao G1 Ricky Tseng, pesquisador da Universidade da Califórnia em Los Angeles e co-autor do estudo.

Pelo menos por enquanto, o vírus está sendo usado como uma plataforma física, e não por suas propriedades de "ser vivo" (aliás, muitos biólogos não costumam considerar os vírus como vivos, apesar de sua capacidade de se multiplicar; é que eles são totalmente dependentes das células que invadem para realizar suas funções). Assim, não há o perigo de criar em laboratório um circuito eletrônico autoreprodutor e descontrolado.

Estado de suspensão

"Antes do processo de conjugação [que cria o circuito], o vírus ainda está ativo, no sentido de que ainda é capaz de infectar a planta hospedeira", explica Cengiz S. Ozkan, outro dos co-autores do estudo, da Universidade da Califórnia em Riverside. "Depois desse processo químico, o TMV ainda mantinha sua forma e não mostrava muitos sinais de decomposição, o que implica que ele ainda poderia estar 'vivo'. Mas, sem expô-lo à planta, ele não é capaz de se replicar", diz Ozkan. Já Tseng interpreta a situação de forma ligeiramente diferente. "Depois de tanto tempo no estado sólido, suspeitamos que ele não esteja mais ativo."

A criação do circuito eletrônico é a mais recente façanha da nanotecnologia, a ciência que estuda e manipula as coisas minúsculas na escala dos nanômetros (um nanômetro equivale a um bilionésimo de metro). Para produzir o sistema, os pesquisadores mergulharam o TMV numa solução cheia de átomos de platina com carga elétrica positiva. A interação química com as proteínas do vírus fez com que uma camada de platina com uns 10 nanômetros de espessura aderisse ao TMV.

A partir daí, os pesquisadores inseriram a mistura numa camada de plástico, no meio de dois eletrodos. E viram que o sistema podia funcionar exatamente como um circuito eletrônico, gravando dados com base na passagem ou não-passagem de corrente elétrica.

Imitando a vida

Vivos ou não, o fato é que os vírus "platinados" são um exemplo claro de uma das idéias de ponta na nanotecnologia hoje: a de que, para obter sucesso, ela vai precisar se inspirar nos mecanismos dos seres vivos, que estão otimizados para funcionar na escala do muito pequeno.

"Os materiais biológicos definitivamente têm suas vantagens em termos de fabricação e aplicações", diz Ozkan. "Mas acho que temos de manter nossas opções em aberto. Esse trabalho é um exemplo perfeito de como a nanotecnologia é multidisciplinar."

Por enquanto, então, para que serviria usar um circuito viral? Ricky Tseng admite que ainda é preciso melhorar muito o protótipo, mas ele teria vantagens de fabricação -- seria possível produzi-lo simplesmente mergulhando os componentes numa solução, por exemplo, já que os vírus tendem a "montar" suas partículas sozinhos. O resultado final poderia ser integrado em circuitos flexíveis, em vez dos materiais eletrônicos rígidos de hoje.

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